terça-feira, 26 de novembro de 2013

A balança da igualdade

Pollyana Gama convida o leitor a refletir sobre a situação do negro em nossa sociedade desigual

Pollyana Gama
Vereadora pelo PPS, escritora, professora
E mestre em Desenvolvimento Humano

Somos uma nação livre da escravidão, do preconceito? Imaginar do lado de uma balança os quase quatro séculos de história da escravidão em nosso país e, do outro, pouco mais de cem anos da lei áurea, permite visualizar o peso que esse triste período exerce, ainda, na atual condição da população negra em nosso país.

Infelizmente, ainda somos um povo que não aprofunda seu olhar para essa situação, ainda que tenhamos em nossa composição demográfica uma maioria negra, conforme revela o estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Segundo a pesquisa, baseada em dados do Censo-IBGE de 2010, pela primeira vez na história brasileira, o número de cidadãos negros é 6,5% superior ao de brancos. Em números, isso equivale a 97 milhões de pessoas declaradas negras (pretos ou pardos), ante 91 milhões de brancos.

Talvez sejam essas as razões pelas quais após uma semana comemorarmos o dia da Consciência Negra, celebrado no dia 20 de Novembro – dia da morte de Zumbi dos Palmares, ocorrida em 1645 –, permaneci reflexiva sobre o tema. Anualmente a Câmara Municipal de Taubaté promove Sessão Solene em comemoração ao dia instituído para exaltar a brava luta do líder negro do Quilombo dos Palmares e propor discussões a respeito de políticas afirmativas a respeito.

A cada sessão que sou oradora busco desenvolver o discurso entrelaçando dados históricos com dados de pesquisas atuais para aprimoramento da nossa análise da realidade. No ano passado discorri sobre as cotas nas universidades. Parti de uma recordação que tenho do professor Pasquale Cipro Neto, em 2010, quando questionado a respeito de ser a favor ou contra a lei das cotas. Na época, sua resposta impulsionou o público a pensar e alguns, penso, que tiveram o que chamo de "despertar de consciência".

Disse ele que, de fato, o que precisa ser feito é uma educação básica pública de qualidade que permita aos jovens – independentemente da sua cor, raça, situação econômica – ter condições de ingresso e permanência para que se obtenha o êxito no ensino superior. Contudo, o professor Pasquale ponderou que seria injusto, diante de tudo que os negros vivenciaram ao longo de uma história de opressão e exclusão, ficarmos indiferentes e não estabelecermos meios para se reparar as distâncias existentes, fruto desse histórico. A cota é um deles.

Tendo por base o pressuposto de que a educação/conhecimento favorece ao cidadão à conquista de seu emprego, neste  ano tratei da realidade vivenciada pelos negros no mercado de trabalho brasileiro. O povo brasileiro é dotado de diversidade devido à miscigenação, mas rico em desigualdade. O abismo existente no mercado de trabalho entre negros e não negros exemplifica as disparidades nesse setor. Dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) revelam, por meio do estudo “Os Negros no Mercado de Trabalho”, que um trabalhador negro recebe, em média, um salário 36,11% menor que um trabalhador não negro.

Segundo o levantamento, os negros recebem menos em qualquer comparação que se faça, seja por setores de atividades, seja por escolaridade. Isso sem contar os apontamentos de pesquisas que mostram ser preponderante o continuísmo de situações nas quais um indivíduo negro tende a ser o último a ser admitido e o primeiro a ser dispensado de uma colocação profissional, ou, ainda, a ocupar o status de maioria nos quadros de informalidade e de desemprego.

Até mesmo a juventude composta por negros sofre com a realidade de menores oportunidades. No livro Juventude e Políticas Sociais no Brasil, Adailton Silva, Josenilton da Silva e Waldemir Rosa discorrem um capítulo inteiro tratando das discrepâncias que os jovens negros enfrentam, principalmente no que se refere à educação e ao mercado de trabalho. Os autores destacam o fato de os jovens negros estarem sobrerrepresentados no segmento de jovens que não trabalham e nem estudam, além de sua admissão no mercado de trabalho estar marcada por condições inferiores em comparação com as de jovens brancos.

Ou seja, o mesmo povo que foi escravizado, tornando-se a viga mestra para a construção da economia brasileira, é o povo que ainda hoje sofre com a discriminação racial, e vê comprometida sua participação à frente do desenvolvimento econômico, ao ser suprimido preconceituosamente do mercado de trabalho formal, principalmente em cargos que ocupam linhas hierárquicas do topo da pirâmide de uma organização.

O mercado de trabalho mostra a acentuada distância entre a liberdade proclamada e a liberdade vivenciada.  Ao ter a autonomia como um dos condicionantes para a liberdade, qual a autonomia que a maioria dos negros brasileiros possui nesse cenário? Refiro-me a autonomia que possibilita o indivíduo viver em grupo e atuar como protagonista de sua própria existência, fazendo escolhas, em uma sociedade branca, amarela, vermelha, negra, composta, acima de tudo, por seres humanos.

Espero que nosso artigo de hoje favoreça a você, leitor, a não tão somente ter consciência como também a ser consciente. Não é de hoje que insisto nisso: ter é bem diferente de ser! Muitos sabem o que é não ter preconceito, pois têm consciência. Mas quantos desses não são preconceituosos? Ser consciente é agir. Infelizmente, aquele “peso na balança”, a que me referi logo no início, ainda influencia muito em nossas atitudes.

Veja o artigo publicado originalmente no jornal Gazeta de Taubaté:


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