Desde que assisti à peça teatral O Gato Malhado e a Andorinha Sinháe soube da história dessa história, busquei conhecer mais de seu autor. Até então, recordo que durante minha adolescência, em casa, era preciso "ter cuidado" ao ler, ou assistir a novelas inspiradas nos romances de Jorge Amado. Mas aquela história, aquela fábula descoberta décadas após ter sido escrita por ele, revelou a mim sua melhor parte: o seu coração.
Uma história de amor entre um gato e uma andorinha, tão sensível e real por mais incrível e impossível que possa parecer, só poderia brotar de um ser humano de sobrenome ‘Amado’ e de coração amorosamente nutrido.
Não demorou muito para que minhas leituras sobre ele me levassem a conhecer as escritas de Zélia Gattai. A Zélia de Jorge. A história dele não seria completa sem ela e vice versa. De tudo que pude ler sobre Jorge, não encontrei quem melhor o conte ou o descreva do que Zélia.
Ler suas memórias é compartilhar de uma boa conversa. Instigadora, sua escrita me faz chegar ao ponto de "pedir-lhe licença" quando preciso fazer uma pausa. Caso contrário, ficaria com o sentimento de ter deixado Zélia falando sozinha. São tantos os detalhes em seus livros que o sentimento que fica é o da generosidade dela em não restringir suas alegrias, seu amor apenas para si. É tanta verdade, tanta luz que não caberia num só coração, nem em dois, três, quatro, cinco... Não caberia também em um só livro, ou em uma só casa, nem mesmo na do Rio Vemelho. Era preciso compartilhar.
Então, ela escreveu e isso permitiu nossa entrada nesse seu universo tão contagiante. Depois, ela sonhou em abrir as portas de sua morada a todos que assim desejassem adentrá-la, com uma única condição: ser de paz. Se for de paz, pode entrar!
E essa sua partilha generosa parece passar de pai, mãe para filhos...
Por esses dias, tive o prazer de adentrar a casa da família Amado, na Rua Alagoinhas, 33, em Salvador/BA. Hoje, um Memorial ao casal. Logo que entrei, não consegui seguir de imediato, tamanha era a emoção. Acompanhada pelo meu marido, Davi, e o camarada Gurgel, pedi desculpas a ambos, mas o que sentia não cabia em mim. Eu parecia revisitar, numa outra dimensão, agora real, a casa que, até então, tinha em meus pensamentos estruturados pelas leituras, pelos contos de Zélia que parecia estar ali sorridente a nos receber.
Respirei fundo. A serenidade se fez presente e pude seguir pela lateral da casa até o jardim, rumo aos banquinhos de azulejos preferidos pelos dois. Mais lágrimas... De alegria, contentamento. Eu estava ali, naquele lugar tão especial, no qual os dois contemplando a natureza que os rodeava, conversavam, namoravam e escolheram repousar. Em meus pensamentos, pedi permissão e ali sentei com meu marido por alguns minutos. Uma das monitoras gentilmente nos fotografou. Olhando a foto, aqui, sou capaz de reviver a intensidade dos sentimentos que experimentei ali.
Passeando entre as árvores, pelos vários ambientes da casa, senti gratidão por todos que possibilitaram sua abertura: desde Jorge e, em especial à Zélia, por ter sonhado esse sonho, aos seus filhos, que dividem conosco parte desse patrimônio material e, sobretudo imaterial que jamais poderia ser apreciado sem que consentissem. Ao governo federal, à prefeitura de Salvador, Fundação Jorge Amado, LM, Shopping Bahia, Bradesco, aos que elaboraram e executaram o projeto. E, se esqueci de alguém, perdão, mas com a mesma gratidão!
Bem, tudo isso para dizer que visitar A Casa do Rio Vermelho é inspirador. Tão inspirador que viajei nos pensamentos e voltei à Taubaté, minha cidade natal, mais convicta de que podemos fazer algo semelhante, digno ao nosso Monteiro Lobato, em nosso Sítio do Picapau Amarelo. A casa de Jorge Amado e Zélia Gattai é, sobretudo, um Memorial do Amor, ao mesmo tempo que o pulsar da vida.
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